Profissionais, donas de casa e mães

A rotina das mulheres ponta-grossenses que precisam se desdobrar entre os cuidados com filhos, casa e profissão

Imagem

05/12/22 por Yasmin Orlowski

Arte: Levi

Mulheres que cuidam dos filhos. Mulheres que cuidam dos pais. Mulheres que cuidam dos parentes. As mulheres além de estarem submetidas a desigualdades no trabalho, são condicionadas a se responsabilizar pelos cuidados com a casa e filhos, o que torna sua rotina mais exaustiva, conforme apontam pesquisas do Hibou, empresa de Monitoramento de Mercado e Consumo.

Estudos mostram que as mulheres passam mais tempo da rotina nos cuidados de outras pessoas. Dados do IBGE de 2019 já indicavam percentual de mulheres (37,0%) que cuidavam de pessoas maior do que o dos homens (26,1%). E não é somente nos cuidados de outras pessoas que as mulheres dedicam mais tempo se comparado aos homens. As mulheres também dedicam mais tempo aos afazeres domésticos. Apenas 46,1% homens declararam realizar essas tarefas todos os dias, enquanto 70,8% das mulheres cumprem tarefas domésticas diariamente, segundo pesquisa da Codeplan. Neste quesito, as mulheres dedicam 8 horas a mais em média do que os homens, por semana a esses afazeres. A pesquisa detalha como as mulheres dedicam horas a mais do que os homens em afazeres domésticos e cuidados não-remunerados com dependentes, como crianças, idosos e/ou pessoas com deficiência.

Exemplo é o de Michella França, mãe solo e sozinha, que se dedica aos cuidados da filha e do filho, que possui autismo, e da casa, além de cuidar da casa e profissão. Atriz profissional, Michella viu sua rotina virar de cabeça para baixo na pandemia, quando teve de trabalhar em casa. Ao mesmo tempo que precisava cuidar da casa, da filha e do filho, nas atividades de rotina e escolares, também tinha de trabalhar. Tudo isso sem ajuda de ninguém.

“Com os dois em casa, complicado. Pessoas que me ajudam [são] idosos, não podiam vir em casa. Fiquei sozinha com eles. Até para ir no mercado era muito complicado. Não podia levar. Bem complicado. Principalmente [em] 2020. Pior momento que a gente viveu”.

A atriz ressalta que a alteração da rotina na pandemia afetou seu filho Portador de Deficiência (PCD).

“Meu menino tem que ter rotina, atividades, terapia. Ele ficou sem nada. Ele não consegue ouvir alguém falar no vídeo e prestar atenção. Era impossível. Pegava atividades na escola e fazia o que dava”. A filha de Michella também sofreu com as mudanças impostas pela pandemia. Acordava e dormia mais tarde, não conseguindo se adaptar ao ensino remoto.

Michella tentava ao máximo dar uma rotina para os filhos, enquanto ela precisou se virar por si só. Sua rotina era totalmente voltada aos cuidados dos filhos. As atividades como atriz só aconteciam mesmo enquanto os dois estivessem dormindo, já na madrugada. Michella ia dormir por volta das 2h da manhã, isso quando não tinha insônia, o que foi desencadeado pela pandemia de Covid-19. Aí, ficava acordada a noite inteira.

“Eu não tinha rotina. Minha organização da casa era o horário que eu queria. Não tinha horário. Meu trabalho era depois que eles dormiam. Vídeo não podia ter barulho. Esperava eles dormirem depois das 23h. Ia para os vídeos e computador. Era quando podia me concentrar. Minha rotina ficou assim, uma bagunça total”.

A filha de Michelle demorou para se adaptar ao ensino remoto, principalmente por gostar de brincar com as crianças da escola. Já o seu menino adorou, por querer ficar em casa devido à dificuldade de interação. Michella conta que, por este aspecto, foi positivo. O fato de ter de ficar em casa, o filho despertou a vontade de voltar para escola e interagir com outras crianças.

Depois do período de ter de ficar em casa na pandemia, a rotina de Michella consiste em levar a filha para a escola, o filho para a Associação de Proteção dos Autistas (Aproaut) (escreva nome completo da sigla) e ensaios na ópera. “Rotina não é igual ainda antes da pandemia. Nossa profissão temos que estar sendo vistos para estar trabalhando. Não tá igual ainda”.

Ao relatar a rotina de agora, fica evidenciado na fala de Michella, como a rotina não está mais fácil.

Durante a entrevista com a atriz Michella França, ela estava também cuidando do seu filho PcD.

“A menina tem uma rotina certa. 6 horas da manhã acordamos, toma café e vai para escola. Minha rotina certa é só segunda e terça – fixo da prefeitura que a gente precisa estar no Ópera, ensaios e produções. O menino, rotina escola à tarde, 1h até às 3h. De manhã, na segunda, vai para a Aproaut. Durante a semana, quarta, sexta mais tranquila para mim. Quando tenho extras durante a semana, preciso me organizar. Há semanas não tenho nada, há semanas bem corridas”.

Outro exemplo de mãe que durante a pandemia teve de redobrar os esforços para dar conta de todas as responsabilidades é a professora Adriana Souza Mara. Mãe de duas crianças – uma de cinco, outra de dez anos e de um adulto de 20 anos –, Adriana conta que as crianças também não se adaptaram bem ao ensino remoto.

Adriana percebeu o mesmo dos seus alunos. Pedagoga no Colégio Regente Feijó e professora de alunos especiais, Adriana viu um avanço nos alunos com necessidades especiais, enquanto as demais as crianças tiveram muitos prejuízos, os quais estão mais evidentes agora, no ensino presencial.

“A gente procurou dar assistência, tentar confortar (os alunos). Porque é difícil né. Como você escuta a história de um pai porteiro, que precisava trabalhar. Adquiriu a Covid, faleceu em menos de uma semana. Deixou a mãe desguarnecida. Demorou três meses para que a mãe recebesse a pensão. Três filhas que moram no Costa Rica. Meninas excelentes, alunas, vinham a pé. Não tinham dinheiro para comprar passagem, não tinham comida. No colégio fizemos campanha”. A experiência de Adriana com os alunos é exemplo de como a pandemia de Covid-19 não afetou somente os adultos, mas também e principalmente as crianças.

Adriana conta que, mesmo que os filhos estejam em uma idade “boa”, ajudando mais em casa e não necessitando de tanta atenção, ela também viu sua rotina virar de cabeça para baixo. A principal diferença foi o uso constante do celular, que virou o equipamento de trabalho. Adriana não conseguia se ver livre o aparelho, tendo até crises de ansiedade.

“No trabalho formal, tem horário para trabalhar. E nosso telefone, podemos bloquear, não precisa usar. Na pandemia usava sábado, domingo e feriado. Estava no mercado, escutando aúdio .Como era pandemia, as pessoas achavam que qualquer momento era momento de falar. Não só alunos. Questão das cobranças, secretaria, direção, como eles eram cobrados mandavam pra gente. Reuniões infinitas, meets infinitos”. Agora, segundo a professora, sua rotina está mais tranquila. O diferencial é que o marido de Adriana, às vezes, a ajuda nos afazeres.

“É engraçado porque as pessoas falam ai não tenho tempo. Tempo a gente consegue, eu sempre consigo tempo quando é algo importante”, ressalta Michella. Mulheres como Caroliny, Maria Cristina, Jéssica, Marli, Cida, Bruna, Adriana e Michella ilustram essa fala de Michella.

Michella e Adriana, além conciliarem home office e cuidados com os filhos, também dedicaram tempo das suas rotinas às tarefas da casa, como limpeza, idas ao mercado etc.

Já a profissional Maria Cristina, que também é mãe, mas de uma adulta de 20 anos. Sua filha não exigiu tantos esforços durante a pandemia de Covid-19, diferentemente dos seus pais, que já idosos, adoeceram.

“Como eu mais saia, então eu buscava coisas de mercado. Para ter uma única pessoa para fora. Foi desafiador porque neste período eu também precisava cuidar dos meus pais.Eles dependiam só de de mim”.

Sua rotina consistia em acordar cedo, por volta das 8h, colocar as roupas para lavar, deixar as coisas prontas para o almoço e sair em direção ao hospital em que trabalha. Por volta das 12h sair para o horário de almoço, buscar comida para seus pais, deixar na casa deles, e voltar para o hospital.

O pai de Maria Cristina faleceu em 2022, fazendo com que a mãe adoecesse ainda mais e necessitasse ainda mais dos seus cuidados. Maria Cristina passou a ficar mais tempo ainda na casa da mãe, quase não tendo tempo para voltar para a própria casa. Ela percebeu a falta que fez na organização de sua casa.

“Sinto que às vezes na minha casa sentem falta, as coisas não estão no lugar como estavam todos os dias”.

Cida também cuidava de sua mãe. A assistente social que tem quatro filhos, também todos adultos e com as vidas encaminhadas, precisou voltar a atenção para sua mãe, que aos 90 anos estava adoecida pela idade já avançada. Cida conta que ficou com muito medo de sair na rua, principalmente pela idade avançada da sua mãe, que era o foco da pandemia.

Durante os primeiros meses da pandemia, os principais esforços de Cida foram voltados a ajudar a sua mãe, que já debilitada acabou por falecer aos 91 anos, em agosto de 2022.

“Eu ia trabalhar, deixava café para minha mãe de manhã, dava café para ela, dava medicação, aí ela voltava a deitar, dormia, acordava às 10h e ia para tv. Eu chegava do almoço já fazia a janta. Aí eu ia trabalhar, voltava às 17h”.

“Nossa preocupação era com ela mesmo, os meninos vinham da escola, mania de dar benção e beijar. Era difícil, ela perguntava se estava doente porque não chegavam perto dela. Ai ela começou a ver as notícias e entendeu. Mas no começo ela perguntava porque não davam mais benção, medo de passar alguma coisa”.

Como ilustrado por Michella, Adriana, Maria e Cida, as responsabilidades não somente domésticas, mas também com os cuidados com os filhos e demais familiares recaem sobre a mulher, que acaba por dedicar mais tempo a esses afazeres.

Essas outras funções atribuídas às mulheres acabam por contribuir na dificuldade da sua melhor colocação no mercado de trabalho.

Segundo o estudo Estatísticas de Gênero, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em março deste ano, apenas 54,6% das mães de 25 a 49 anos que têm crianças de até três anos em casa estão empregadas. A maternidade negra, nesta mesma situação, representa uma taxa ainda menor: menos da metade está no mercado de trabalho (49,7%).


Confira outros posts